22/09/2016

Até Sócrates foi afetado pela crise


De fato, este tema excita o interesse de todos, ainda mais a esse estado económico que nosso país (Brasil) está passando. Semana passada dei uma palestra na 3ª Feira de Empregabilidade e Empreendedorismo da Faculdade de Desenvolvimento do Rio Grande do Sul (FADERGS), o tema era sobre a importância dos valores em tempos de crise. Ao ler a ficha de inscrição dos participantes, colocamos algumas questões e uma delas questionava o interesse deles de estar na palestra. A maioria queria uma resposta sobre a crise ou mais conhecimento. Compartilho contigo uma reflexão sobre o tema. Em qual momento de nossas vidas não passamos por uma crise? Todos dias, algumas mais suportáveis, outras nos tiram o chão. Grandes personagens históricas também passaram, passam e passarão por momentos de crise.

Você, caro leitor, sabia que até Sócrates foi afetado pela crise. Curioso?

Fernando Schwarz no livro “Sabedoria de Sócrates” traz uma das mais brilhantes leituras de Sócrates, da sua missão filosófica, a dialética, caminho da felicidade, pedagogia, amor e as crises que o grande filósofo grego passou. Sim, ele passou por três grandes crises que quase o tiraram do seu protagonismo histórico. Vale muito a pena relatar de forma resumida, pois é um ensinamento para nossas vidas.

A primeira crise foi de romper com seu discípulo Alcebíades, um general ateniense que seria o sucessor de Péricles. Alcebíades preferiu uma vida de aparências, atividade guerreira, competição, jogo, prazeres, valorização social e poder do que uma vida guiada pela virtude. Sócrates via o potencial que tinha seu discípulo e seu fracasso o fez compreender que a virtude não se transmite, que cada um deve procurar por si, que ninguém pode vivê-la no lugar do outro. Não se pode ajudar alguém que não quer ajudar-se a si próprio. A humildade se fortalece no coração do filósofo e embarcar na missão de despertar a consciência dos homens, principalmente dos jovens. E não de alguém que é especial.

A segunda crise foi dez anos depois quando seu amigo Querefonte foi ao Oráculo de Apolo, em Delfos, questionar quem era o homem mais sábio de Atenas. Teve a famosa resposta: Sábio é Sófocles, mais sábio é Eurípides, de todos os homens o mais sábio é Sócrates. Ao saber disso Sócrates crava na história da filosofia uma das mais célebres frases: só sei que nada sei. Com isso, vive um novo acesso de depressão, a segunda crise, sem nada compreender do que lhe está a acontecer. Rejeita o que disse o Oráculo e mergulha em longo silêncio. Rompe esse estado querendo provar o erro da sentença e vai à busca dos sábios. Interroga-os aqueles que dominam as diversas disciplinas, porém leva-os, aos poucos, a duvidar da sua própria sabedoria, demonstrando-lhes que na realidade eles ignoram o que pensavam conhecer. Anos depois, ele compreende o ensinamento deixado pelo Oráculo, que a sabedoria consiste em saber que é ignorante. Isso abre a possibilidade para o aperfeiçoamento, conhecendo nossa ignorância.

A terceira crise foi confrontar-se com a própria essência do seu ensinamento. Muito bem exposta na Apologia de Sócrates, quando é acusado: por corromper os jovens, recusa dos deuses tradicionais e criação de novos deuses. Sócrates lutava contra o sistema da paixão corrupção e burocracia que impedia o verdadeiro desenvolvimento dos cidadãos livres e iguais face à lei. Fora isso, também combatia a superstição e não a religião. Condenou a tradição da mitologia grega que antropomorfizava os deuses apresentando-os como seres sujeitos às paixões e destruindo-se entre si. E o novo deus, o daimon, é consciência individual, fundamento da liberdade interior e da dignidade humana. Acabou sendo condenado à morte pelo júri por 281 votos contra 220 por não querer negar seu posicionamento filosófico.

Segundo a tradição ateniense, a lei não fixa a pena, mas uma segunda votação permitia escolher entre as que propõe a acusação por um lado e a defesa par outro. O júri pode escolher uma ou outra. Como a acusação já pediu a pena de morte, cabe a defesa propor uma sanção que pode ser o exílio ou a perda dos direitos cívicos, a fim de comutar a pena de morte. Mas Sócrates não quer tirar partido desta oportunidade. Considera-se inocente, e par conseguinte não preconiza nenhuma pena, não deixando outra escolha ao júri, obrigado a condená-lo a morte. Preservando a sua integridade, prefere a morte, deixando os juízes entregues a sua consciência.

A sua primeira crise levou-o ao exame de consciência, o segundo ao diálogo como via de purificação da ignorância, e o terceiro a morrer por Atenas e pela Verdade. Como Sócrates demonstrou, aquilo que buscamos, a vida nos oferece e nos cobra o preço. Algumas vezes a coragem de Ser nos custa caro, custa a própria vida.

A crise nos empurra para frente. Do grego antigo krinein, a crise é a ação de separar ou decidir e também pode referir-se a algo que se quebra. Nossa condição humana é a de um ser em permanente crise, pois a necessidade de transformação, de se reinventar, de se renovar obriga à passagem do estado de crise. Momentos de crise clama-se por reflexão, reforça-se nossos valores, clarifica nosso sentido da nossa vida. A saída deve ser para dentro e para cima. Para dentro de si mesmo e para algo mais elevado da nossa condição humana.

Fontes: http://www.administradores.com.br/artigos/carreira/ate-socrates-foi-afetado-pela-crise/98346/

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